terça-feira, 3 de novembro de 2009

HIPOCRISIAS EMBUTIDAS NO CONCEITO CRIMINAL DA PIRATARIA


Pirataria é crime. Mas por quê? Quem nos impôs a lei dos direitos autorais, e por quais motivos escusos? Essa lei é justa com os consumidores da indústria audiovisual? Ela entra em conflito com o Código de Defesa do Consumidor, em algum momento?

Qual o conceito jurídico de pirataria? Alguém por aqui sabe ao certo? O camelô trabalha com material que tem direitos autorais registrados, mas alguns desses direitos, ou nunca foram licenciados, ou o licenciamento está vencido no Brasil. Sem contar que o contrato de licenciamento contempla explicitamente quais mídias o material pode ser veiculado. Não é raro a internet não ser mencionada nesses contratos. Com isso, a internet fica à margem do processo de licenciamento e, portanto, a divulgação de tal série por esta mídia fica liberalizada.

Outra coisa: eu não posso fazer cópias de material de propriedade intelectual alheia, visando obter lucro. Mas fazer cópias de backup, pra emprestar ou presentear amigos, ou mesmo pra ilustrar produções acadêmicas, eu posso sim. É uma permissividade que a lei me autoriza. E mesmo que isso venha a mudar, ainda assim a responsabilidade não será minha, afinal sou estimulado por vários fabricantes de eletrônicos a fazê-lo. Esqueceram que quem produz gravadores de DVD, pen-drives e afins não sou eu? Afinal de contas, hardwares desse tipo servem pra quê? Não é para fazer cópias? O irônico é que quem permite a comercialização desse tipo de produto é o mesmo legislador que proíbe o ato de copiar. Ou seja, ter a ferramenta de cópia eu posso, usá-la eu não posso. Quer incongruência maior?

E, por fim, fico com o raciocínio do povo em geral: "se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai a Maomé". Sempre estou à espera de produtos de qualidade, que deveriam ser fornecidos pelos "empreendedores" do ramo, mas nunca tenho meu desejo saciado. Quando raramente algo de bom me é oferecido (Animax, p.ex.), acaba em pouco tempo sucateado, zoneado e esculhambado. Eu tenho que satisfazer meus interesses como fã, oras! Não tenho culpa se sou marginalizado pela lei. Quem sente fome, estando marginalizado pelo sistema, rouba o pão. O sistema brasileiro segrega abertamente os gamers e os otakus. Então, que assim seja. Busco no mercado negro tudo que preciso, sem pudor. Também o sistema não tem pudores em me prejudicar...

Acontece isso com o usuário de drogas, com o jogador compulsivo, com o travesti. Acontece isso até com os transeuntes das cidades grandes, que usam, todo santo dia, kombis e vans ilegais, apenas fazendo valer seu direito constitucional mais elementar, que é o de ir e vir... Todos que querem chegar em casa mais rápido estão cometendo um crime, afinal. Culpa de quem? Das empresas de transporte público, que não prestam um serviço de qualidade, e do Estado, que não fiscaliza a prestação de serviço dessas empresas. Analogia melhor impossível.

Porque todos nós cidadãos, sem exceções, formamos uma sociedade de criminosos forçados. Graças uma elite mesquinha e corrupta, que secularmente dita os rumos da ordem coletiva de nosso país. Legisla pensando nos seus próprios interesses, e que se dane o resto da sociedade. Se existem o bicheiro, o traficante, o perueiro e o pirateiro, é porque tem gente interessada em manter certas atividades humanas no submundo. Tudo bem, é crime copiar ilegalmente material alheio. Mas, é crime ser fã de anime? É crime assistir um DVD com a namorada? Por que insistem em forçar a associação entre ser fã de anime com uma atividade criminosa? Afinal, qual é o pecado em fazer uma fezinha no jogo-do-bicho? Qual é o mal em jogar winning eleven alterado? O que tem demais sentir vontade de chegar em casa rápido, depois de um dia duro de trabalho?

O debate não pode ficar obtuso, se cometemos crime ou não. Todo mundo já cometeu algum dia, muitas vezes involuntariamente. Isso não tem jeito. A discussão real é sobre a lei. A lei é justa conosco? A lei merece ser cumprida por aqueles que ela não contempla?

Justiça não é o mero cumprimento das leis. Justiça é o constante aperfeiçoamento das leis. Questioná-las é o papel do bom cidadão. Questioná-las com palavras e também com ações. A lei sempre tem que estar à disposição do homem. Quando o homem é que está a mercê da lei, há algo de podre no processo. E quem ganha com isso tudo?

Luiz Angelotti, talvez?

Um comentário:

Olhares e silêncio disse...

Olá Alsan!
Grata pelo seu comentário em meu blog. ^^ Vim devolver-lhe a visita... Não é sempre que me chamam de "adoravelmente esquisita" rsrs

Também gostei de seus textos -- apesar de só ter dado uma olhada bem por cima. Prometo voltar logo para lê-los na íntegra.
À primeira impressão parece que você escreve informação com uma pitada de humor inteligente.

Obrigada, novamente.
Prazer em conhecê-lo.
Talita.