quarta-feira, 2 de setembro de 2009

"UM DIÁRIO NADA DIÁRIO DE TEMPOS ATEMPORAIS EM MINHA VIDA"


Era sempre assim que começava uma das muitas "cartinhas da tradição"* que escrevi na minha adolescência. Sempre quis fazer um diário, mas diário é coisa de menina, né? Não importa muito a minha alma feminina... eu tenho é que ir ao Maracanã! E de mais a mais, ser obrigado a fazer a mesma coisa todo dia é um saco. Eu gosto de escrever sim, mas só quando eu tô com vontade, pô!

Assim eu pensava na época. Por isso os "diários" eram nada diários. Por isso os tempos eram atemporais. Era como se eu vivesse dentro de um anime, onde a estória é contada a partir do meio, e de tempos em tempos vem um flashback pra explicar por que aquela cena se desenrola daquela forma (inclusive, por favor quando eu morrer, se famoso, peguem meus diários nada diários e dêem pro Katsuhiro Otomo escrever o roteiro, pro Hideaki Anno dirigir e pro Studio Pierrot animar. Com Luís Sérgio Vieira no papel de Alsan, Flávia Saddy como Gisele Mitrano e a voz de Márcia Regina atuando como a "gugúi" Úrsula Martins).

Hoje sou um velho de quase trinta anos, quase pai e quase feliz. Não me apego com a mesma paixão às coisas bestas de moleque, a despeito do tempo perdido na frente da tevê acompanhando Fate Stay Night e La Celeste Olimpica. Ainda assim, de alguma forma ainda escrevo diários, no caso este blog. E me pergunto: afinal de contas, o que eu ganho com isso? Ainda vivo a mesma vida de sempre... eu não deveria mudar? Não deveria estar aproveitando melhor a vida? Não deveria progredir, ao invés de estagnar?

Sim, porque se hoje eu conto moeda pra inteirar o buzão, é porque desperdicei meu intelecto criando a melhor estratégia pra zerar em duas horas e vinte o resident evil três, ao invés de estudar pra me formar mestre em antropologia. Eu também devia ter beijado mais, fodido mais, esmurrado mais, dançado mais, berrado mais...

Mas eu gastei meu tempo com nada. Isso é o que conta, essa é a melancólica certeza que concluo. Até parece que as pessoas do meu passado me buscam pra que eu as recupere, e eu me apego a estas amarras, mas no final revela-se apenas uma ilusão, criada pela minha alma carente daquilo que não vivi.

Acho que sou pretensioso. Afinal, seria impossível seduzir todas, escrever todos, acompanhar tudo, aprender tudo. Mas eu queria ter mil braços, como bem diz a canção**. Mais! Queria ter mil olhos, mil bocas, mil corações, ser onipresente e onisciente, vasculhar todas as almas humanas e desbravar todos os cantos da Terra. Acho que sou infame. Afinal, queria ser como um deus.

Eu devia era aproveitar tudo do pouquinho que eu tenho. E também desistir dessa luta inglória que batalho, a de ter mais e mais. Tudo, é certo que não terei. Só que não consigo me contentar com tão pouco. Ser "quase" feliz, nesse ponto, é deveras motivador. Motiva a gente a continuar tentando ser totalmente feliz.

Mas é angustiante também. Porque já deu pra perceber que não existe a felicidade plena. Sempre vem aquela brisa gelada da amargura, que me faz perder mais uma noite de sono a rascunhar esse famigerado "diário nada diário de tempos atemporais em minha vida". E não chegar a conclusão nenhuma.

Sem encontar um norte. Vivendo o mesmo vazio. Conflitando as mesmas contradições. Pedindo socorro pra dentro. Ouvindo um vácuo como resposta.

Alsan

(*) Cartas de amor secretas que eu escrevia na época do colégio. Seu destinatário nunca as leu.

(**) A canção citada é "Mil Braços", versão em português da música "Depend on You", de Ayumi Hamasaki, que compus há uns anos atrás. Qualquer dia eu posto essa letra por aqui.